NÓS, seres humanos, homens e mulheres, por impulso
natural, medimos (análise e avaliação de um objeto) os seres em nosso entorno,
desde uma pequenissíma bactéria/vírus até o Universo, muitas vezes, pelo
saber/conhecimento limitados que temos. E, na maioria das vezes, quando somos
bitolado(a)s por apenas um campo especifico do saber/conhecimento que alvoramos
ter, sem amplitude ecológica do TODO, enquadramos o objeto de nossa
análise/medida dentro da nossa visão limitada da realidade.
Desde 1.972, quando aconteceu a Conferência de Estocolmo,
em que um grupo de homens e mulheres começaram a se preocupar oficialmente, sob
o guarda-chuva das Nações Unidas com as questões socioambientais em âmbito
mundial que, paralelamente, com os vários movimentos ambientais, surgiu a
ecologia, então um tema restrito à biologia.
Segundo Leonardo Boff, o primeiro formulador da ecologia
foi Ernest Haeckel (1834-1919) para quem “a ecologia é o estudo do
iter-retro-relacionamento de todos os sistemas vivos entre si e com seu meio
ambiente.”[1] Haeckel chegou a essa conclusão em 1868. Portanto, a ecologia tem
mais de 150 anos desde o seu surgimento como ciência que estuda a Casa (Oiko).
E somente agora ela ganha notoriedade como ciência que vai salvar o Planeta, a
Casa Comum, no dizer do Papa Francisco.
Trata-se de uma ciência que estuda mais que o meio
ambiente, ou os seres biótico (vivos) ou abióticos (inertes) em si mesmo, mas
na interação e na relação e na inter-relação entres todos eles. “Quer dizer: o
que se visa não é o meio ambiente, mas o ambiente inteiro. Um ser vivo não pode
ser visto isoladamente como um mero representante de sua espécie, mas deve ser
visto e analisado sempre em relação ao conjunto das condições vitais que o
constituem e no equilíbrio com todos os demais representantes da comunidade dos
viventes em presença (biota e biocenose).” [2]
Por isso a ecologia é mais que uma ciência de
laboratório, que estuda apenas o meio ambiente (meio ambiente é uma realidade
limitada), mas uma ciência inserida “organicamente na natureza, onde tudo
convive com tudo, formando uma imensa comunidade ecológica. Importa recuperar
uma visão global da natureza e dentro dela as espécies e seus representantes
individuais, especialmente o ser humano e também a sociedade.” (BOFF, 2015, p.
19).
Daí que os saberes como a filosofia, a teologia, a
sociologia, a política, a economia, a psicologia, a antropologia e o saber
popular de homens e mulheres inseridas nas lutas do dia a dia por um mundo
melhor são saberes que devem ser incorporados do discurso da ecologia, pois
trata-se, a ecologia, de “um saber das relações, interconexões,
interdependências e intercâmbios do todo com tudo em todos os pontos e em todos
os momentos. Nessa perspectiva, a ecologia não pode ser definida em si mesma,
fora de suas implicações com outros saberes. Ela não é um saber objeto de
conhecimentos, mas de relações entre objetos de conhecimento. Ela é uma saber
de saberes, entre si relacionados.” (BOFF, 2015, p.19). Por isso agir por uma
ecologia integral demanda consciência crítica, um conhecimento transversal do
que se passa na nossa Casa Comum.
Precisamos tornar ideia permanente em nossa mentalidade
aquilo que diz o Preâmbulo da Carta da Terra: “Estamos diante de um momento
crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o
seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e
frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas.
Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica
diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma
comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma
sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos
universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este
propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa
responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com
as futuras gerações.” (CARTA DA TERRA, 2003, Preâmbulo).
Junto com a Carta da Terra temos que incorporar em nossa
mentalidade a teologia sobre a Casa Comum elaborada pelo Papa Francisco na
“Laudato Si”. O Sumo Pontífice, de forma profética, diz que em virtude de tudo
que está acontecendo no Planeta em termos de deterioração da vida sob todos os
aspectos há “necessidade urgente de uma mudança radical no comportamento da
humanidade” (LS, nº 4) em vista de “eliminar as causas estruturais das
disfunções da economia mundial e corrigir os modelos de crescimento que parecem
incapazes de garantir o respeito do meio ambiente.” (LS nº 6), pois, “os
progressos científicos mais extraordinários, as invenções técnicas mais
assombrosas, o desenvolvimento econômico mais prodigioso, se não estiverem
unidos a um progresso social e moral, voltam-se necessariamente contra o
homem.” (LS nº 4).
O Papa Francisco chama-nos à radicalidade de nosso
comportamento em relação ao cuidado da Casa Comum. Estamos num estágio de
deterioração quase irreversível do sistema Terra que não basta apenas ações
ambientalmente corretas isoladas aqui e e acolá; e no campo social não basta
dar esmolas ao pobres para não sucumbirem de vez de fome. O Papa chama-nos a
atenção para “a relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta, a
convicção de que tudo está estreitamente interligado no mundo, a crítica do novo
paradigma e das formas de poder que derivam da tecnologia, o convite a procurar
outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada
criatura, o sentido humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros e
honestos, a grave responsabilidade da política internacional e local, a cultura
do descarte e a proposta dum novo estilo de vida. Estes temas nunca se dão por
encerrados nem se abandonam, mas são constantemente retomados e enriquecidos.”
(LS nº 16).
Na encíclica Fratelli Tutti (2020), o Bispo de Roma diz
que “Estamos no mesmo barco, ninguém se salva por si; ou nos salvamos todos ou
ninguém se salva.” (FT nº 32). E o Papa não está falando de salvação de almas,
mas de vidas nas suas mais variadas formas e manifestações na Casa Comum.
Segundo Eric Hobsbawn, em A era dos extremos (1994) [Apud
BOFF, 2024, p, 25][3]: “Não sabemos para onde estamos indo. Contudo, uma coisa
é certa. Se humanidade quer ter um futuro aceitável, não pode ser pelo
prolongamento do passado e do presente. Se tentarmos construir o terceiro
milênio nessa base, vamos fracassar. E o preço do fracasso – ou seja, a
alternativa para a mudança da sociedade – é a escuridão.”
Em 2023, o Papa Francisco escreveu a Exortação Apostólica
LAUDATE DEUM, na qual, mais uma vez, no tom profético que lhe é peculiar, nos
chama a atenção para crise climática, uma das nove dimensões para manutenção das
condições de vida decente para os humanos e o meio ambiente. Segundo um estudo
de 18 cientistas denominado “Os limites planetários: um guia para o
desenvolvimento humano num planeta em mutação”, publicado pela revista Science
em janeiro de 2015 dão conta que existem nove dimensões centrais para vida no
Planeta, algumas foram ultrapassadas e outras estão em estado avançado de
erosão. São elas: “1) As mudanças climáticas.; 2) Mudança na integridade da
biosfera (perda da biodiversidade e extinção das espécies); 3) Diminuição da
camada de ozônio estratosférico: 4) A acidificação dos oceanos; 5) Fluxos
biogequímicos (ciclos de fósforo e nitrogênio); 6) Mudança do uso da terra (p.
ex. o desmatamento); 7) Uso global da água: 8) concentração de aerossóis
atmosféricos ) partículas microscópicas na atmosfera que afetam o clima e o
organismo vivos); 9) Introdução de novas entidades ( p. ex. poluentes orgânicos,
materiais radioativos, nanomateriais, e microplásticos”. (BOFF, 2015, p.14).
Daí a afirmação científica que a Terra está enferma,
doente. E o sistema capitalista com seu discurso de “sustentabilidade” não tem
a solução para essa enfermidade Ele é a causa da doença. “Esperar que o
desenvolvimento sustentável ou a confiança em deixar que as coisas como estão
sejam políticas viáveis é como esperar que uma vítima de câncer no pulmão seja
curado parando de fumar. Ambas as medidas negam a existência da doença da
Terra, a febre acarretada por uma praga humana. Apesar de suas diferenças, elas
advêm de crenças religiosas e humanistas que acham que a Terra existe para ser
explorada em prol da humanidade.”[4]
O diagnóstico da doença da Terra são o vários gritos de
socorro que podemos ouvir se tivermos a mentalidade e sensibilidade ecológicas
para ouvir, pois, em nosso redor: “Gritam as florestas, abatidas em todas as
partes do mundo sob a voracidade produtivistas, pois em lugar de árvores
frondosas e centenárias pasta o gado para a carne de exportação. Gritam os rios
contaminados pelos agrotóxicos [[5] leia esta nota de rodapé!] da monocultura
da soja, do fumo, dos cítricos e outras. Gritam os solos contaminados por
milhões de toneladas de pesticidas. Gritam os ares envenenados os gases de
efeito estufa. Gritam as espécies, dizimadas aos milhares a cada ano. Gritam
inteiros ecossistemas devastados pela superexploração de seus serviços. Grita a
humanidade inteira ao dar-se conta de que pode ser exterminada da face da Terra
por dois tipos de bombas: pelas bombas das armas químicas, biológicas e
nucleares e pela bomba ecológica representada pelo aquecimento global, que não
acaba e aumenta ano após ano. Enfim, grita a Mãe Terra contra a qual está
havendo uma guerra total: no solo, no subsolo, no ar, nos oceanos, em todas as
frentes; guerra da qual não temos chance de ganhar, pois nós precisamos da
Terra, mas ela não precisa de nós.”[6]
Com relação às mudanças climáticas, em especial o
aquecimento global, é preocupante o fato de que talvez não tenhamos mais tanto
tempo hábil para recuperar o estado normal da temperatura no Planeta e tenhamos
que concordar com o pensamento de James Levelock[7] que diz que o tempo urge:
“É como se tivéssemos acendido uma lareira e, de repente, pegasse fogo na
mobília da casa e tivéssemos pouco tempo para apagar as chamas antes que casa
toda se incendiasse. O aquecimento global é como um incêndio, está se
acelerando, e quase não resta mais tempo para reação.” (LEVELOCK. 2006, p. 17).
Por isso, é que a discussão em prol da ecologia integral deve ser um debate abrangente, apaixonado, que englobe todas as ideologias políticas e econômicas envolvidas no processo de destruição da Casa Comum, com a ajuda de todas as ciências afins. Sem o afã do famigerado ânimo de “caças às bruxas” temos que saber que são agentes poluidores dos ecossistemas, quem são os exploradores na relação capital/trabalho/natureza para saber com quem podemos contar nas ações em favor da construção de um outro mundo possível e necessário tendo a ecologia integral como centralidade do nosso agir.