A propósito da minha visita à Câmara Municipal da minha cidade

Por * Por Antonio Salustiano Filho 03/09/2023

Terça-feira, dia 29/08/2023, fui à Câmara Municipal de minha cidade, Santa Bárbara d’Oeste. Gosto do meio político, seja com ou sem adversários. Adversários políticos não precisam ser inimigos. Tenho apreço a todo(a)s o(a)s Vereadore(a)s deste Município. Uns mais outros menos, mas não deixo de apreciar a figura de cada um(a) enquanto políticos.

Na condição de ex-Vereador, fui saudado e referenciado por alguns, inclusive com saudações nas quais foram destacadas outras atividades que tive na minha cidade. Fiquei lisonjeado, evidentemente. Quem não gosta de ser lembrado, em especial pelos seus feitos positivos?

Eu observei (é do meu feitio observar os políticos em geral) a conduta do(a)s Nobres Vereadore(a)s no momento de apreciação de um projeto polêmico que fora pautado para discussão e aprovação. Observar a classe política pode ser um vício ou uma virtude (fiquem à vontade para enquadrarem nesta ou naquela categoria!), mas que já exerceu um mandato político eletivo e se pautou pelo bom desempenho de tal mister (cargo ou atividade profissional), fica com mania de observar aqueles que exercem o mesmo papel.

O projeto em apreciação na Câmara Municipal de minha cidade, na data referida, era de autoria de um Vereador de oposição. Não era um projeto perfeito, mas tinha lá suas qualidades. No auge da discussão, o autor veio falar comigo, sobre o projeto. E eu, com meu modesto conhecimento do processo legislativo e conhecendo a temática sobre a qual versava a referida propositura[1], apontei os vícios da matéria e sugeri correções, inclusive com audiência pública com o setor da Municipalidade a quem a futura lei (se fosse aprovada) destinava a regular.

Feito a proposta de adiamento da apreciação da matéria ao Plenário da Edilidade Barbarense, esta foi rejeitada. Nada contra a rejeição dessa ou daquela matéria em apreciação legislativa. Faz parte do embate democrático no Parlamento, aprovação ou rejeição de projetos de leis. Depende da conveniência de quem aprova ou rejeita. Isso é da democracia.

É da democracia também a discussão parlamentar. O Parlamento (Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e Distrital, Câmara dos Deputados e Senado Federal) é o lugar onde se reúnem os parlamentares (Vereadores, Deputados estaduais, distrital e federais e Senadores). Os parlamentares PARLAMENTAM. Isto é falam, discutem, quando têm argumentos. Parlamentar (sentido de falar) vem do verbo parlar, do parler francês, que significa FALAR. Portanto, é da essência do parlamentar (sujeito eleito para o Poder Legislativo) falar. Então não vejo nenhum mal nas discussões parlamentares quando se parlamentam com sabedoria, inteireza do assunto, respeito ao oponente, enfim. Isso é uma virtude que nossos políticos, no geral, estão perdendo.

Colacionamos a seguir uma definição jurídica ilustrativa e histórica do vocábulo PARALMENTAR. “Parlamentar. Derivado de parlar, do francês parler (falar), é vocábulo empregado como verbo ou com substantivo. Como verbo, parlamentar, ou parlamentear, como se usa, quer significar, no sentido do Direito Internacional, entabular negociações, ou entrar em negociações, com os delegados do inimigo, a fim de ajustarem condições preliminares acerca da cessação de um conflito ou guerra, ou qualquer outro assunto de interesse de ambos, como a troca de prisioneiros, suspensão provisória das hostilidades. (...). Como substantivo, designa o membro de um parlamento. É, assim, o título atribuído ao deputado ou representante de qualquer câmara que constitua o poder legislativos.” (sic)[2] (grifos originais e negrito nosso).

Logo, é essência do parlamentar o discurso e a defesa de suas ideias e convicções. Isso é democracia. Democracia na esfera parlamentar significa falar e ouvir o outro com atenção a respeito do que se fala para quando se tomar a decisão sobre a propositura, objeto da discussão, decidir, a favor ou contra, com conhecimento de causa ou da causa. O parlamentar que não presta atenção no discurso dos seus pares não está exercendo, com o dever de urbanidade, o seu papel na seara política.   

Na nossa Câmara Municipal de Vereadores são 19 Edis. Na Sessão Camarária de ontem, enquanto um(a) e outro(a)s falavam apenas uma meia dúzia prestavam a atenção. E ainda teve fala agressiva. Lamentável!

Isso me fez lembrar meus anos de parlamentar (fui vereador de 1997-2000). Naquela época não tinha celular para o vereador se ocupar enquanto outro falava, mas tinha dispersão assim mesmo. O grupo de vereadores da situação votava contra tudo que vinha da oposição e a decisão era tomada no gabinete do prefeito de então. Ou seja, os vereadores situacionistas não tinham vontade própria. O Poder Legislativo era uma extensão (hoje se diz “puxadinho”) do Poder Executivo.

O fato de o Poder Legislativo ser uma extensão (“puxadinho”) do Poder Executivo, do posto de vista político é uma desmoralização à classe política, que já não tem tanta moral junto ao povo; do ponto de vista legal é afronta da harmonia e independência dos Poderes, inobservância aos “princípios fundamentais” do Estado Democrático de Direito, consubstanciados nos artigos 1º e 2º da Constituição Federal de 1988, a Constituição Cidadã, como disse Ulisses Guimarães, por ocasião da sua promulgação.

Não sou contra que o Poder Executivo, em qualquer esfera de governo, tenha sua base de sustentação nos Parlamentos respectivos. Faz parte da “governabilidade” tal apoio, desde que consciente e livre de qualquer macula de interesses escusos à uma administração séria. O que não se admite é a existência de governo sem oposição. Um governo sem oposição está fadado a ser despótico.[3]

Penso que o(a)s parlamentares, em todos os níveis do Poder Legislativo, deviam enviar aos seus eleitores e à população em geral as gravações das sessões de suas respectivas Casas com o seguinte aviso ou recomendação: “Veja como seu Parlamentar se comporta durante o tempo (sessão camarária) dedicado às decisões políticas que mexem, de uma forma ou de outra, com vida do(a)s cidadã(o)s!”

O Parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal diz textualmente: “Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Quando se exerce um mandato legislativo outorgado pelo voto popular em subserviência ao poder executivo, não está exercendo o poder que emana do povo. Se está traindo o povo que elegeu o parlamentar para representa-lo no Parlamento, não para ser capacho do Executivo.

O descrédito da classe política se dá por conta dessas aberrações politicas que vemos no dia a dia do exercício de tantos mandatos eletivos sem consonância com a vontade popular. A impressão que se tem é que o povo, como dizia aquela personagem da “Escolinha do Professor Raimundo”, é apenas um detalhe. Só serve para votar! Pena!

 

*ANTONIO SALUSTIANO FILHO, advogado, ex-vereador, foi Diretor do Procon Municipal e Secretário Municipal do Controle Geral, Meio Ambiente e Governo; é militante dos movimentos sociais libertadores e das Comunidades Eclesiais de Base-CEBs.

 

Foto: pexels-werner-pfennig-6950135.jpg

 

[1] Um projeto de lei se enquadra na categoria “propositura”.

 

[2] SILVA, De Plácido E. Vocabulário Jurídico, 15ª edição. Rio de Janeiro, Editora Forense, 1998, pp.588/589.

 

[3] Despótico, diz-se do governo tirano, autoritário e arbitrário, governo de homem só.