A fumaça dos incêndios criminosos de extensas matas e
culturas agrícolas no interior paulista e outros estados ainda está eclipsando
o azul do céu brasileiro, estampado em nossa bandeira, símbolo de uma pátria
que comemora em luto, neste 7 de setembro, os 202 anos de sua independência. Ao
expressar nossa solidariedade às mulheres e homens do campo, fazemos uma séria
reflexão sobre a liberdade de um povo e da soberania nacional, que somente se
efetivam quando se garantem os direitos individuais e coletivos fundamentais,
dentre eles o de trabalhar, ir e vir.
Porém, é lamentável constatar que essas prerrogativas
basilares da cidadania estão sendo subvertidas em nosso país pela
criminalidade, como se observou nas chamas que devastaram plantações e
obrigaram numerosas pessoas a deixarem as propriedades rurais e seus locais de
trabalho e moradia. São agricultores e profissionais que tiveram seus direitos
mais essenciais aviltados de modo violento, numa ação que ceifou vidas e causou
imensos prejuízos materiais, financeiros e ambientais.
A criminalidade está impondo muitos danos ao nosso país. O
Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostra que foram mais de 46 mil mortes
violentas em 2023, incluindo homicídios e latrocínios. Dados do Atlas da Violência, feito pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, revelam que os custos das empresas privadas para se protegerem
representam cerca de 4,2% do PIB, enquanto as despesas do Estado com a área
totalizam 1,7%.
Outras modalidades muito nocivas do crime são a
falsificação, o contrabando e o descaminho, que estabelecem dumping dos preços
no mercado interno, numa concorrência ilegal e desleal com a indústria. Segundo
o Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade, esses problemas
provocaram, só em 2023, perdas de R$ 302 bilhões sobre 15 setores produtivos, a
grande maioria na área industrial, além de uma evasão fiscal de R$ 139 bilhões.
Na prática, isso significa, por exemplo, que o trabalho de um honesto
profissional de uma fábrica brasileira é desrespeitado e ameaçado por bens
originados em algum tipo de ilicitude, que também conspira contra a
sobrevivência das empresas.
O crime, em suas múltiplas vertentes, é um dos fatores do
elevado “Custo Brasil”, cujo peso é imenso para a indústria e todos os setores
de atividade. Bandidos, quadrilhas e terroristas atearam fogo nas propriedades
agrícolas em agosto, pirateiam, falsificam e trazem produtos de modo ilegal
para nosso mercado, tiram a vida de inocentes e traficam drogas e armas,
aviltando a condição humana e interferindo no direito de trabalhar, ir e
vir.
No transcurso dos 202 anos da Independência do Brasil, cabe
urgente mobilização do poder público, numa soma de esforços entre União,
estados e municípios, para o combate mais eficaz à criminalidade. Sem reduzir
de modo significativo esse flagelo que nos atormenta, jamais seremos um povo
capaz de desfrutar a plenitude da liberdade e da soberania. A rigor, não temos
independência e temos morte.
*Rafael Cervone é o presidente do Centro das Indústrias do
Estado de São Paulo (Ciesp) e primeiro vice-presidente da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp)