É fato repetitivo o questionamento sobre a qualidade do voto popular. O
eleitor é em geral despreparado politicamente para exercer esse direito cívico. Então, ocorre
que vota influenciado por diversos fatores, até por pedido, sugestão ou indicação de
amigos e familiares e acaba elegendo um candidato a quem não conhece e nem sabe se presta ou não.
Além disso, o voto pode ser determinado pela popularidade do candidato, por suas juras de honestidade e pelas
pregações feitas na campanha, o que, evidentemente, não é prova de competência
política e honradez pessoal.
A falta de discernimento é tamanha que temos exemplos de
políticos corruptos e até condenados por delitos comuns que se afastam, renunciam ao mandato para se
livrar da cassação, porém na eleição seguinte se apresentam e são eleitos
novamente. O voto deveria funcionar também como "julgamento", mas não é o que acontece.
Quando o eleitor faz uma opção equivocada o Congresso passa a refletir os equívocos do
cidadão. Quando se critica o Congresso, é a decisão do eleitor que está sendo criticada.
Bom ou mau, o Congresso Nacional é a cara do brasileiro que vota. O eleitor é relativamente desculpado
pela má escolha que tenha feito, considerando-se a falta de preparo e de participação
política. Indesculpável é o procedimento dos eleitos, principalmente nos parlamentos -
Câmaras municipais, Assembleias estaduais, Câmara federal e Senado.
Tomemos como exemplo mais
atual a Câmara dos deputados. Quem é seu presidente? Eduardo Cunha, deputado federal pelo PMDB do Rio de
Janeiro. Elegeu-se com inúmeras promessas de vantagens e benesses aos parlamentares sempre ávidos por
benefícios pessoais. Entre as propostas, Cunha prometeu tornar as emendas orçamentárias
impositivas, tirando do governo o arbítrio e os critérios para liberação, com
sério risco para o equilíbrio do orçamento. Prometeu, também, instituir passagens
aéreas para as esposas dos deputados, caso típico de pregação eleitoreira e
irresponsável à custa do dinheiro público; esta medida não prosperou devido à
repercussão negativa na mídia.
Hoje, Eduardo Cunha está envolvido na
Operação Lava Jato, assim como alguns de seus ‘eleitores' e integrantes da Mesa Diretora da
Câmara Federal que com ele se elegeram, alguns inclusive com processos no TSE e no STF que só não
andam por causa da imunidade parlamentar. Intrigante é o fato de os deputados elegerem alguém que
sabidamente não tinha ficha limpa. Eduardo Cunha, em 1989, era obscuro aprendiz de político que se
aliou a PC Farias (aquele da era Collor), integrou o PRN e se tornou presidente da Telerj, de onde foi afastado por
corrupção; suplente de deputado estadual fez acordo com Anthony Garotinho e assumiu vaga na Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro para se abrigar na imunidade parlamentar devido a irregularidades na Companhia Estadual
de Habitação.
Durante a campanha para presidente da Câmara o jornal Folha de S. Paulo
publicou reportagem com o currículo de Cunha, desabonador dossiê para qualquer homem público,
relatando envolvimento com Collor, Maluf e depois com Garotinho e Sérgio Cabral. A matéria citava
diversos cargos públicos ocupados e dos quais Cunha foi afastado por irregularidades. Será que os
deputados que apoiaram a candidatura e em Cunha votaram não sabiam de nada disso? Claro que sabiam! Portanto,
não tinham responsabilidade moral para elegê-lo, afinal, não existe ‘ex-corrupto'. Os
fatos estão aí para mostrar.
Em resumo, ante a constante deterioração da
visão e das ações na política mais evidente se torna a urgente necessidade de uma
‘reforma moral' e isso depende também do eleitor, que não deve ficar alheio, mas sim participar
e compreender que política é tudo, ela permeia todas as atividades na sociedade. Pode e deve ser
decente.
O voto popular é direito antigo, vem do tempo do Brasil imperial. Quando irá o
eleitor brasileiro se dar conta da importância de sua participação, de seu voto? A
política sempre existiu e continuará existindo; ignorá-la não é
solução. Basta relembrar o que disse o dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht no poema
Analfabeto Político:
"O pior analfabeto
é o analfabeto político.
Ele
não ouve, não fala,
nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe
que o custo de vida,
o preço do feijão, do peixe, da farinha,
do aluguel, do sapato e do
remédio
dependem das decisões políticas.
O analfabeto político
é
tão burro que se orgulha
e estufa o peito dizendo
que odeia a política.
Não sabe
o imbecil que,
da sua ignorância política,
nasce a prostituta, o menor abandonado,
e o
pior de todos os bandidos,
que é o político vigarista,
pilantra, corrupto e lacaio
das
empresas nacionais e multinacionais."
*Luiz Carlos Borges da Silveira é empresário,
médico e professor. Foi Ministro da Saúde e Deputado Federal.