A morte de um policial

Por Eliel Miranda, Guarda Municipal. E-mail: gmelielmiranda@gmail.com 04/05/2018

É um texto dramático, assim como é a morte de um policial. Caso não queira continuar a ler eu entenderei, pois quase sempre gostamos de falar do que é belo e daquilo que não magoa os nossos corações. Mas, é preciso se atentar para uma realidade sombria, triste e que depõe contra a sabedoria de uma sociedade, que tem o mundo a um clique, na palma da mão, conectada com a tecnologia e a contrassenso, desligada da harmonia social.

No conceito de policial, incluo todos os profissionais que vigiam e cuidam dos bens das pessoas, desde o patrimônio até suas vidas e por isso incluo porteiros de condomínios, vigilantes de bancos, de carro forte, passando por guardas municipais, policiais militares, policiais federais e chegando as forças armadas, quando estão nas ruas apoiando intervenções federais ou na garantia da lei e da ordem.

É inconcebível imaginar que em uma sociedade tão vigiada, pelos olhos humanos, pelas câmeras de celulares ou pelas tecnologias empregadas nas ruas, ainda tenhamos um abismo tão grande entre o policial e os cidadãos. O policial vem da sociedade, mas uma vez que veste sua farda age agora em nome da União, quando é um policial federal, no nome do Estado, quando é um policial militar, no nome do Município, sendo um guarda municipal ou no nome da empresa de Segurança, que o contrata para “policiar”, vigiando e garantindo que haja a proteção prometida.

Talvez, por isso os “Direitos Humanos” sejam tão prontos em defender os criminosos, que ao serem mortos sangram em nomes próprios, enquanto que o policial ao morrer, sangra como se fosse o ente federado, a União, o Estado, o Município ou a empresa de Segurança. No chão, fardado ou a “paisana”, policial caçado e morto, tem virado uma cena costumeira e clichê. Ali está uma parte de uma entidade fictícia e não um filho, um irmão, um pai, uma filha, uma irmã, uma mãe.

A mídia vai postar a notícia, vão explorar “o caso”, talvez até fotos do policial morto, embebido no próprio sangue, com a boca aberta e com a carne lacerada circularão pelas redes sociais, principalmente pelo whatsapp. Inevitavelmente teremos as homenagens formais, o sepultamento será pomposo e doloroso, mas poucos se lembrarão de que estes tiros retiraram mais do que a vida do policial, junto com ele que volta ao pó, transformou em deserto sua casa, onde sua família sentirá falta dele. O sangue estará para sempre na memória dos seus verdadeiros amigos e parentes. Haverá ódio, rancor e muitos desejarão fazer justiça com as próprias mãos, mas o grito será mudo e ficará preso na garganta, pois pouco se poderá fazer sem também se transformar em um criminoso.

Na primeira semana após a morte do policial terão que desfazer das suas roupas, do seu fardamento, dos seus objetos pessoais. As fotos nas suas redes sociais ainda o mostrarão sorrindo, orgulhoso da sua profissão. Aos poucos sua luz será apagada, pois a sua existência só sobreviverá nas memórias dos que o amaram. Na mesa, o seu lugar de costume estará vazio e isso será como uma faca afiada, que separa a alma, que fura a carne, que agride o juízo e ofende a inteligência, que leva a loucura, sem antídoto eficaz.

É bem verdade que nenhum policial acredita que será vítima em sua função ou em razão dela. A todos parece que é algo que só pode acontecer com os outros. É inimaginável, que este enredo seja parte da nossa história, pois estamos tão cheios de vida, somos preparados, estamos armados... Em qap e em qrv (“na escuta, atentos e prontos para e em condições de”). Até que acontece e para nós que morremos o show acaba, mas para quem se importava conosco a maldade vai durar para sempre.

No primeiro mês, o salário fará muita falta, os valores mudam e as outras fontes de receita que quase todos os policiais possuem já não virão mais, pois no Brasil o salário é muito aquém das necessidades básicas, por isso quem é policial no Brasil o é porque se apaixona pela função, ama a adrenalina e se sente feliz de encarnar o herói, que ao fazer seu trabalho de patrulhar e ocupar os espaços já defende a sociedade dos criminosos.

Na corporação outro policial ocupará o armário. A escala na viatura será ajustada, o seu parceiro de outrora ganhará outro amigo para juntos passarem às doze horas a disposição da sociedade e resolver problemas de perturbação de sossego, furtos, roubos, acidentes de trânsito, lesões corporais e por ai vai. Haverá consternações nas primeiras preleções, pois o lugar do policial morto estará vago, mas aos poucos a rotina diária engolirá o choro dos mais próximos, afinal todo policial é ensinado para assimilar as diversidades.

O policial morto que tantas vezes fez o bem e depois disse aos cidadãos, “disponha” terá sido mais um guerreiro que cumpriu sua missão, um herói anônimo de tantas prisões, de tantas ajudas e de tantos sorrisos devolvidos, pois quase sempre quem morre é o policial operacional e este têm muitas histórias, pois diariamente está em contato direto com as mazelas da sociedade e com a desgraça.

O túmulo será bonito e bem ornamentado, caso a família tenha posses ou de repente será esquecido, apenas de concreto, que ficará embolorado com o tempo, sem nomes, apenas com uma placa de numeração, a fim de ter uma identificação no livro dos sepultamentos.

O tempo passará e os culpados da morte do policial ou serão executados pelos irmãos de farda ou receberão sentenças, penas e ficarão partes de suas miseráveis vidas em penitenciárias. Os políticos, que não investiram na segurança, a sociedade que não ajudou a fortalecer a corporação policial, a mídia que execra o erro e não enaltece o acerto, todos estes se esquecem do policial morto, até que o próximo policial morra e depois esquece de novo e assim sucessivamente.... Preocupam-se com outras coisas até serem também vítimas da criminalidade que não ajudaram a combater.

A morte de um policial pode atingir qualquer um dos profissionais que são obstáculos para que o crime tenha sucesso, desde o porteiro que impede a entrada de ladrões no condomínio, até os vigilantes que “andam” em carros fortes para proteger dinheiro, por salários bem inferiores aos de que deveriam receber, chegando aos policiais e guardas municipais, que andam pelas ruas das cidades.

A sociedade, a mídia, os políticos e nós, policiais, temos que dar um basta, precisamos de investimentos nas corporações, de programas habitacionais, de salários melhores, de acompanhamentos médicos, pois é com o corpo e a mente que protegemos nossos pares. Precisamos de proteção para quem protege, sob pena de cada dia mais termos vítimas produzidas pelo nosso descaso pela Segurança Pública.

Enfim, precisamos pensar sobre o assunto e quem sabe neste momento de Intervenção Federal no Rio de Janeiro, de inúmeras mortes de policiais no Brasil, tenhamos o interesse da sociedade respeitado e a Segurança Pública prestigiada com medidas sérias e contínuas. Desejo que haja protesto a cada morte de policial, que tenhamos monumentos erguidos em cada cidade para lembrar-se destes que sangraram por serem policiais, a fim de que lembremos diariamente da parte que nos cabe. A morte de um policial é uma insanidade que deve acabar e depende de cada um de nós. Que Deus nos ajude. Amém.