A Igreja celebra no Domingo de Ramos a entrada triunfal de Jesus de Nazaré em Jerusalém, aclamado pela gente que o acompanhava, desde a Galileia. Eu, na minha heresia teológica, mais heresia que teologia, diria que devemos celebrar a entrada conflituosa de Jesus em Jerusalém, para sermos mais fiéis aos Evangelhos,
Lemos no evangelho de Marcos que na marcha de Jesus de Nazaré à Jerusalém, ao Centro religioso, político e econômico do judaísmo, seus discípulos e uma multidão que o acompanhavam (Mc 10, 46) queriam-No proclamá-Lo rei. Para a “entrada régia de Jesus montado num jumento”, (MYERS, 2021. P. 350), “muitos estendiam mantos no caminho, outros estendiam ramos que haviam cortado dos campos. E tanto os da frente, como os de traz, iam gritando: “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito o Reino que vem, do pai Davi! Hosana no mais alto dos céus!" (Mc 11,8-11)[1].
Hosana pode ser um grito de saudação, tipo “viva!”, ou um grito de socorro que se dirigiam a pessoas com poder. Neste caso, com toda certeza, era o grito do campesinato sofrido da Galileia que saudava seu futuro rei e pedia socorro. Jesus havia gerado a expectativa em torno de si de der um Homem com poderes para uma intervenção naquela situação de miséria e sofrimento dos galileus.
Ora, se a multidão havia cortado ramos dos campos, significa que ela acompanhava Jesus de Nazaré pelos caminhos e estradas da Galileia à Jerusalém. Esse movimento da periferia para o centro, essa caminhada da Galileia para Jerusalém, além ser motivada pela obrigação religiosa, de se visitar o Templo por ocasião da Pascoa judaica [e outras festas do judaísmo centralizado no templo), tinha uma motivação político-social e religiosa! Aquela gente sofrida que acompanhava Jesus, tinham-No na expectativa do Messias esperado, portanto, queriam-No proclamá-lo rei. A intenção era, embora os Evangelhos não expressam isso claramente, que Jesus – uma vez proclamado rei – deveria tomar o poder e reinar como seu antepassado Davi. Essa era a perspectiva judaica antes e posteriormente assumida por outras figuradas messiânicas, ou revolucionárias dos séculos 1 a. C e 1 d.C.
Há quem diga que os ramos cortados nos campos e estendidos na entrada por onde Jesus passava significava que aquele cortejo era uma procissão do campesinato motivada pela ideia de entronização à moda rural de Jesus, estabelecendo-se, assim, um conflito rural-urbano, ou seja, entre as multidões rurais e a elite urbana. É bom lembrar que os camponeses, em especial os galileus, eram tidos com bandidos, revoltosos, etc.
Não nos esqueçamos que no tempo de Jesus, a Terra Prometida, enquanto espaço geográfico denominado Palestina, era dominada pelo Império Romano com ajuda de reis vassalos locais e o pacto silencioso e conivente das autoridades religiosas e apoio das elite econômica. A terra propriamente dita, enquanto presente e benção (Dom) de Deus, fonte de produção dos bens para subsistência da vida, estava nas mãos de grandes proprietários da elite submissa à Roma que, em conluio com o Império dominava o povo judeu. Portanto, em especial os camponeses da Galileia, não conformados com essa situação, desejavam ardente e subversivamente, o resgate do governo à moda do projeto igualitário de Deus cuja terra (Aliança), como bem maior recebido de Deus, era uma herança que deveria ser retomada e o povo judeu liberto dos pecados do helenismo que invadira toda a nação.
Essa situação de opressão sob a imposição de uma religiosidade pesada imposta ao povo o pelos chefes e anciões religiosos do judaísmo, o julgo do Império romano, misturado com a expectativa messiânica de um rei libertador gerava, de forma sútil e, às vezes, de maneira manifesta incitavam as revoltas populares a que referimos no artigo anterior. Isso causava um certo temor às autoridades judaicas e imperiais.[2]
Richard A. Horsley e John S. Hanson dizem que “De fato, os grupos dominantes judeus tinham boas razões para ‘ter medo do povo’, pois o povo simples não estava dócil e passivamente resignado à situação da sua vida. As pessoas tinham ideais sobre como devia ser sua vida, e uma memória que informavam e sustentavam esses ideais. Lembravam a época em que seus antepassados eram livres e não estavam sobre o controle de senhores domésticos ou estrangeiros. Recordavam-se também de conflitos anteriores, em que seus ancestrais tinham sido subjugados, mas conseguiram com êxito reafirmar sua liberdade (...)”.[3]
Ched Myers diz que “Jesus vai a Jerusalém não como peregrino, a fim de demonstrar sua fidelidade ao seu templo, mas como rei [Jesus nunca quis ser rei, portanto, eu diria líder] popular, disposto a organizar um cerco não-violento contra as classe dirigentes.”[4] Ou seja, Jesus vai à Jerusalém não para um festa religiosa com sacrifícios de animais no templo. Vai para o confronto com os mitos mantidos pela religião judaica; para o embate final com as autoridades religiosas a quem interessavam os mitos e dogmas dominantes do judaísmo.
Ao entrar em Jerusalém montado num jumento, apesar de ser saudado com um rei da linhagem de Davi, Jesus se nega a ser um herói militar nacionalista como são os líderes triunfantes dos reinos deste mundo. Mais tarde ele vai dizer isso a Pilatos: “meu reino não é deste mundo” (Jo 18, 36). Os reinos deste mundo têm poderio militar, força ideológica para manter as mentes prisioneiras ao poder dominante; são nações imperialistas que governam as nações subjugadas com apoio das elites locais e produzem classes pobres/miseráveis que sustentam tais impérios com pesados impostos.
As pessoas que acompanhavam Jesus na sua marcha para Jerusalém têm na memória o que disse o Profeta Zacarias: “Reunirei todas as nações contra Jerusalém para o combate; a cidade será tomada, as casas serão saqueadas, [...]. E Senhor sairá e combaterá essas nações, como quando combateu no dia da batalha. Naquele dia seus pés estão no monte das Oliveiras, [...].” (Zc 14, 2-4). Os Evangelhos de Marcos e Lucas colocam o monte das Oliveiras como ponte de partida da caminhada de Jesus à Jerusalém (Mc 11, 1-2; Lc 19, 29-30). Também, na memória do povo, estava a lembrança da procissão militar de Simão Macabeu, líder rebelde triunfante que entra em Jerusalém “com aclamações e ramos de palmeiras, ao som das cítaras, címbalos, harpas, hinos e cânticos, porque um grande inimigo fora extirpado de Israel.” (1Mc 13,51).
No entanto, Jesus parece repudiar esta ideologia de restauração da sociedade de Israel em nome de um poder político-militar. Não estava em seus planos a reabilitação do templo-estado, com Ele sob o império/reino de nosso Pai Davi, com queriam/gritavam seus seguidores. Ao fim da marcha sob um jumento Ele entra na cidade, vai ao templo, observa tudo sai da cidade e volta à Betânia (Mc 11, 11). Isso, com certeza, decepciona seus seguidores. Como? Não seria no templo o lugar da entronização do nosso reis?
Jesus volta à Betânia e no caminho, num gesto simbólico e estranho, amaldiçoa uma figueira e a condena a morrer sem que alguém coma seus frutos (Mc 11, 12-14). Ato que seus discípulos não entenderam de imediato. Trata-se da simbologia da maldição do templo que não produzia frutos agradáveis a Deus.
Ao voltar ao templo Jesus faz um espalhafato com o comércio sacrifical na casa de Deus. Coloca em xeque a utilidade econômica do templo. Ali já trabalharam 18 mil trabalhadores (JEREMIAS, 1983. P. 35), simultaneamente. Com certeza, isso não agradou que dependia da economia do templo.
Ainda no templo, Jesus provoca controvérsias com Centro religioso. Após o tumulto com o comércio que ali se pratica e dizer que ali era uma casa de oração e não covil de ladrões, Ele se confronta com os sacerdotes, os escribas e anciões que querem saber em nome de quem Ele faz o que faz. E Jesus o responde encurralando-os para que eles, homens da lei e da religião oficial, respondam sobre o batismo de João Batista. Negam-se responder e os dois lados ficam sem repostas (Mc 11, 27-33).
Continuando a provocação, Jesus prega no templo. Não se tem notícias de que qualquer um, sem sejam os sacerdotes, posam pregar no templo. A prática religiosa era monopólio dos sacerdotes. Os ensinamentos da Torá era exclusividade dos fariseus. Jesus rompe com esse monopólio (Mc. 12, 1-11).
Quando perguntado se era licito ou não pagar imposto a Cesar (Mc. 12, 13-17), Jesus dá uma resposta à altura da sua fidelidade a Deus. Jesus não tem uma moeda com a imagem de Cesar. A imagem de Cesar cunhada na moeda era, além de marca do dinheiro, um elemento ideológico culto ao Imperador. A inscrição da moeda era: “Tibério Cesar, Filho do Divino Augusto”, um convite/ordem de culto ao Imperador. Isso proibido pelo segundo mandamento da Lei de Deus: “Não tomar seu santo nome em vão”. Aqueles que perguntaram a Jesus sobre a licitude/ilicitude do pagamento de o imposto a Cesar tinham a moeda e mostraram-na a Jesus. Carlos Bravo Gallardo tem um texto brilhante que diz: “Que Cesar leve para si essa moeda, que atenta contra os direitos de Deus, e que volte para Deus o que lhe pertence: o culto, o povo e a terra”.[5] A reposta de Jesus é nessa linha.
Ato contínuo, Jesus prega sobre a ressurreição do mortos para a revolta dos saduceus (Mc 12, 18-27). Fala ao escriba do mandamento do amor cuja pratica vale mais que todos os sacrifícios (Mc 12, 8-34). E para a frustação de tantos, inclusive seus seguidores, Jesus revela que o Messias não é filho de Davi (Mc, 12, 35-37). E para diminuir a importância da publicidade da oferta robusta como prática religiosa dos ricos, enaltece uma pobre viúva que ofertou apenas uma moedinha de pouco valor, era tudo que tinha. Isso tem mais valor para Deus do que as muitas moedas ofertadas pelos opulentos. E, diante da admiração dos apóstolos pela suntuosidade do templo, Jesus diz “Não ficará pedra sobre pedra, que não tenha sido derrubada.” (Mc 13, 1-4). O templo era o motivo de orgulho e glória para os Judeus.
Tudo isso – a expulsão dos que compravam e vendia; a derrubada das mesas dos cambistas e cadeiras dos que vendiam pombas; a proibição de qualquer de transportar mercadoria pelo templo (Mc 11, 15-19); os ensinamentos polêmicos ensinados no templo – foi usado pelas autoridades judaicas como razões para acusa-lo, mais tarde. Os acontecimentos do templo foi a “gota d’água” para prendê-lo por tudo que dissera ao povo e por conta de suas ações em prol do reinado de Deus
Por conta de outros movimentos de insurretos que já haviam causados grandes estragos na vida do povo judeu, era preciso dar fim em Jesus, pois, “(...), convém que morra um homem pelo povo e que não pereça toda a nação.” (Jo 11, 50). Porém, que “Não seja no dia da festa para não haver tumulto entre o povo” (Mc 14, 2). Mas, com tudo que aconteceu no templo, prenderam Jesus.
Jesus foi preso, julgado e condenado à morte de cruz porque representava “o perigo de um golpe e insurreição[6]”. É preciso entender isso para que compreendamos a dimensão religiosa, social e política da morte de Jesus de Nazaré[7]. E para tanto, necessário se faz estudar o contexto histórico da Palestina no tempo de Jesus além dos escritos do Novo Testamento.